NEOQEAV

Uma pessoa acordava cedinho e preparava o café com todo o carinho para a outra enquanto se despedia com um beijo entregando o casaco para proteger do frio – como em todos os outros dias de inverno – há mais de cinquenta anos. Enquanto uma delas caminhava rumo ao trabalho, já não mais com a mesma vitalidade de antigamente, colocava a mão no bolso, como se já esperasse por aquela “surpresa” se deparava com um bilhete de quem fazia os seus olhos brilharem todos os dias.

Do outro lado, cabeça grisalha com tantos anos de uma linda história escrita nas rugas profundas do seu rosto, sentada no sofá lia, pela milésima vez, o seu livro preferido e ao abrir a página lá estava um bilhete daquele ser que foi a única pessoa a fazê-la suspirar pelos cantos: NEOQEAV. E era assim a rotineira vida daqueles dois seres humanos. Colocava nos bolsos de cada um várias vezes, em meio às coisas do trabalho, dentro de suas meias, em locais por onde sabia-se que o outro passaria não importando o quão longe fosse.

A segunda, por sua vez, escrevia no pote de farinha, às vezes no pote de café, no vidro das janelas empoeiradas, deixava esse papelzinho em meio suas coisas de costura, ou escrevia no espelho do banheiro e que com o vapor ela aparecia: NEOQEAV. Encontrar essas letras unidas de uma forma incomum a fim de montar uma palavra desconhecida por muito e ausente do dicionário e que, a princípio, parecem tão sem sentido; mas que tinham um significado todo especial na vida de ambos espalhadas pela casa não era algo assim tão fácil de se compreender aos olhos dos mais céticos.

Um amor compartilhado ao longo de uma vida inteira; construído nos momentos bons; de alegrias e felicidade, mas também nas adversidades superadas. Eram duas pessoas como se fossem uma, verdadeiras cúmplices e poucas vezes discutiam ou brigavam por um motivo bobo mas, quando acontecia, logo trocavam olhares e sorrisinhos com a mesma cumplicidade de quando se conheceram, ainda adolescentes, e logo passava. Nada que pudesse abalar aquelas estruturas tão sólidas que foram construídas sob uma base de carinho e respeito. Não podia ser enxergada a olho nu por quem visse de fora, mas sabiam e sentiam como a mais pura verdade do seu ser: eram metade de um só coração.

Até mesmo quando um câncer acometeu covardemente metade desse elo inquebrantável, o amor estremeceu: Na saúde e na doença; até o último dia das nossas vidas. Esse era o trato. Essa era a promessa silenciosa de todos os dias contidas naquela palavrinha que colocavam debaixo do seu travesseiro, em meio a seus remédios, espalhava por todo o quarto. Uma alma se foi serenamente enquanto dormia, com a outra ao seu lado segurando sua mão. Durante o funeral, NEOQEAV também estava presente nas fitas que envolviam as flores e, quando todas as pessoas estavam indo embora, chegou perto do caixão e, num suspiro profundo, começou a cantar enquanto deixava rolar em seu rosto livremente lágrimas de pesar.

A música surgindo do fundo do seu ser como a mais bela canção de ninar para aquela pessoa dos seus sonhos e da única realidade que conhecera até então e que a partir daquele momento nunca mais seria a mesma. Pouco tempo depois a outra alma também partiu sem sofrimento enquanto dormia. Provavelmente, estas pessoas tenham se buscado pra que continuassem o que nunca parou. Para quem ainda não entendeu o sentido daquelas palavras que foram o selo do amor destes dois seres humanos e nem teve a sorte de viver algo próximo da profundidade de um amor assim, deve estar se perguntando:

– Mas o que NEOQEAV significa? … não está?

– NEOQEAV = Nunca Esqueça O Quanto Eu Amo Você.